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Reportagens EDIÇÃO 49 - JULHO 2011

De luto


Cachoeirenses contam como aprenderam a viver sem alguém que amavam

Quem perde os pais fica órfão, quem perde a esposa, viúvo, e quem perde um filho? “Quem perde um filho não tem denominação, perde o chão, o rumo”, diz dona Renita Roos, 60, que teve o sono da madrugada de 23 de junho de 2008 interrompido pela notícia do grave acidente que seu filho, Felipe Roos Costa, então com 24 anos, havia acabado de sofrer. “Meu mundo desabou, era como se eu já soubesse que o pior estava por vir e veio. Pouco tempo depois fiquei sabendo que o acidente tinha sido fatal”, conta sem conter as lágrimas.
Os meses que se passaram foram de total reclusão. “Era muito difícil aceitar tamanha dor, éramos muito ligados e com ele se foi um pedaço de mim. Queria acreditar que não era verdade, que iria acordar e perceber que tudo não tinha passado de um pesadelo, mas entrava e saía noite e tudo igual, só o vazio e o silêncio que ele deixou permaneciam”, observa. Nos seis meses que se seguiram à morte do filho, ela perdeu 11 quilos e toda a vontade de seguir adiante. “Foi quando percebi que precisava de ajuda profissional para dar conta de tanto sofrimento. Com inúmeras sessões de terapia e muito carinho dos meus netos (filhos do enteado que ela considera seu filho do coração) estou conseguindo me reerguer. Sei que preciso ter fé e aceitar que tudo nessa vida tem um motivo e que Deus sempre sabe o que faz”, conclui.


"Sei que preciso ter fé e aceitar que tudo nessa vida tem um motivo e que Deus sempre sabe o que faz”, Renita




FÉ – Assim como dona Renita, a estudante de jornalismo e repórter Emilin Grings, 21, usou a fé como uma verdadeira bengala para poder seguir sua vida sem a presença do pai, o microempresário João Carlos Hildo Silva, 45, o João Car. Mais uma vítima do trânsito, foi ele próprio quem ensinou a jovem a manter a força mesmo nos momentos mais difíceis. “E como foram doloridos os dias que seguiram à morte dele. Confesso que no início me revoltei. Eu já não era mais a menininha do papai, tinha perdido meu herói. Queria achar culpados, razões para tudo aquilo, mas foi só depois de muito tempo e por acreditar em Deus que aceitei que não havia culpados, que só aconteceu o que tinha que acontecer”, conta.
Três anos depois do acidente, Emilin diz que aprendeu a lidar melhor com a perda e aliado à fé, ainda faz tratamento com antidepressivos e acompanhamento psicológico. “O trauma me deixou mais preocupada com o futuro. Tenho medo de perder mais pessoas que amo, mas estou aprendendo a lidar com isso”, diz. “Uma das coisas que me alivia também é saber que desfrutamos muitos momentos bons juntos. Não ficou nenhuma mágoa ou ressentimento. Disse milhares de vezes que o amava, abracei muito meu pai. Sempre digo isso para as pessoas: se abracem, falem sobre seu amor pelo outro, você nunca sabe quando será a última vez”. Com a maturidade de quem aprendeu muito cedo a lidar com a dor, Emilin aconselha a quem está passando pelo luto a ler o livro “Dom das lágrimas” de Márcio Mendes. “Nesse livro o autor diz que devemos pensar para que as coisas acontecem em nossa vida e não porquê. Como eu posso crescer com tudo isso? Ficar se perguntando por que só vai aumentar a dor. Muitas vezes não há respostas e isso machuca ainda mais”, resume.


“Se você olhar para o lado perceberá que há muitos que sofrem igual ou mais que você. O sofrimento faz parte da vida. Viver o luto é uma das etapas para superá-lo”, Emilin




Amigos para sempre

Sem os laços de sangue que unem familiares, amigos são escolhidos, eleitos por admiração, companheirismo e lealdade. Difícil imaginar a dor de perder uma amizade, quem dirá um amigo. O funcionário público Marcelo Elesbão Fontoura, 22, sentiu na pele a dor de dar
adeus ao seu companheiro de jornada, Marcos Vinícius Gimenez, no último dia 23 de fevereiro, que faleceu vítima de um câncer. “Conheci o Vini quando ele veio fazer faculdade de Odontologia aqui na cidade. Tínhamos a mesma turma de amigos e foi com dois deles que fui a Lajeado no dia 22 de fevereiro visitá-lo, pois era seu aniversário. Não tínhamos ideia do estado em que o encontraríamos, já que há duas ou três semanas ele tinha vindo a Cachoeira e estava bem. Foi só no hospital que descobrimos que o câncer já tinha o consumido. No outro dia ele faleceu”, conta.
“Essa visita foi mais dolorosa que o falecimento em si, porque naquele momento tivemos a certeza de que era algo inevitável”, ressalta Marcelo. O fato de ter somente 25 anos, recém-formado e cheio de planos, fez a partida de Vinícius ainda mais marcante. “É difícil encarar, mas sabia que não podia me revoltar. Claro que todos se perguntam por que uma pessoa tão nova, na situação em que tudo aconteceu. Não podemos questionar algo que é divino. Deus sabe o que faz”, diz Marcelo que buscou na crença em Deus força para aceitar a morte do amigo. “A terra é um lugar passageiro. Precisamos viver da maneira mais intensa e buscar sempre a felicidade e isso sei que o Vini sempre fez”, conclui.


“A terra é um lugar passageiro. Precisamos viver da maneira mais intensa e buscar sempre a felicidade e isso sei que o Vini sempre fez”, Marcelo




Recomeçando a vida

Aprendendo a viver sem seu grande companheiro, assim está Vanessa Severo Sartori, 24, desde que seu marido, Vinícius Rodrigues da Rosa, faleceu em setembro de 2009. Morando juntos em Caxias do Sul, eles se acidentaram em Candelária quando estavam a caminho de Cachoeira do Sul para visitar familiares. “Assim como ele, também fiquei internada por alguns dias, entretanto o Vinícius não resistiu. Fiquei sabendo da morte dele dentro do hospital e ali mesmo tive que me despedir, sem nem poder sair da UTI para acompanhar o enterro. Foi desesperador. Estava sozinha naquele momento e a sensação foi de perder o chão sob meus pés”, conta. Na época, com 22 anos, Vanessa recorreu ao pensamento positivo e a esperança de dias melhores para conseguir se recuperar e pode ir em busca de seus sonhos.
“É claro que penso ainda hoje no tempo que tinha a percorrer, quanta coisa poderíamos ter feito, mas tenho certeza que o Vinicius viveu intensamente cada minuto e isso me faz querer seguir na luta”, diz. Trabalhando como auxiliar de contabilidade, ela também encontrou no espiritismo conforto pela perda precoce. “No começo a sensação é de não conseguir prosseguir, mas a dor com o tempo vai amenizando e surgem novos dias. Já superei muita coisa e a morte foi uma delas, tanto que dei continuidade a minha vida. A saudade é que machuca, mas fui aprendendo a aceitar o que o destino veio me trazendo. Sei que um dia iremos nos reencontrar e por isso luto pela vida, recomeçando a cada dia”.


“No começo a sensação é de não conseguir prosseguir, mas a dor com o tempo vai amenizando e surgem novos dias. Já superei muita coisa e a morte foi uma delas, tanto que dei continuidade a minha vida”, Vanessa



As fases do luto

Choque – Perder alguém dói e muito, a sensação é de que não é possível seguir em frente. Nesse momento pode-se não ver uma saída para tanto sofrimento e por isso é importante aceitar a dor e vivenciá-la (chorar, entristecer, gritar, etc) e não esconder ou abafar os sentimentos, pois em algum momento eles virão à tona.
 
Negação –
É um mecanismo de defesa que o leva a não acreditar ou a não querer acreditar no que aconteceu. Geralmente usam-se expressões do tipo “eu não acredito que isto me tenha acontecido”, “não pode ser possível”. A impressão é que a pessoa morta entrará a qualquer instante pela porta.
 
Culpa –
Trata-se de um sentimento muito comum. As pessoas começam a pensar em tudo o que poderiam ter dito ou feito para impedir essa morte.
 
Depressão – Estágio em que ocorrem mudanças súbitas de emoções (crises de choro, momentos depressivos, raiva e isolamento). Apesar de preocupante, é uma fase essencial para que o enlutado possa fazer uma análise mais franca sobre o ocorrido.
 
Aceitação – É a fase onde começa a consciência do que aconteceu e a preparação para voltar às atividades. Apesar de todos os enlutados passarem por essas cinco fases, cada um terá uma reação. Estudos apontam que a aceitação deve chegar em seis meses, não prolongando assim a fase depressiva que pode tornar o luto patológico.
 
Fonte:
psicóloga Najla Nassere e a assistente social Sonia Canabarro Soares




Superando uma perda

Nem sempre sozinho é possível superar a dor da perda de um ente querido. De acordo com as profissionais responsáveis pelo grupo Terapia do Luto, assistente social Sonia Canabarro Soares e psicóloga Najla Nassere, ambas com seis anos de profissão, a ajuda terapêutica deve ser buscada se a dor da perda for insuportável, a ponto do enlutado não pensar em outra coisa, a não ser no ente querido que partiu. “Muitas vezes tudo isto é muito sutil, e a família embora note o sofrimento, não consegue visualizar a gravidade, pois tais sentimentos são internos e muitas vezes não expressados para os familiares”, ressaltam.
Para as profissionais, fugir do sofrimento é sempre a pior alternativa. “Não se deve evitar falar em quem faleceu, procurar não pensar ou forçar uma distração. É preciso que se permita viver o luto, ou seja, chore se tem vontade de chorar, veja as fotos, se tem este desejo e fale sobre as lembranças que possui”, observam. Buscando uma forma de auxiliar quem passa por esse sofrimento, Sonia e Najla fundaram o grupo Terapia do Luto. Com encontros quinzenais, o atendimento de apoio poderá ser feito de forma individual ou em grupo. “É uma forma de compartilhar a dor e assim conseguir buscar um recomeço na vida, agora sem o ente que partiu”, concluem.






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