Para muitos o Natal é símbolo de alegria, festas, união, encontros. Para outros tantos, significa reflexão, lembranças e até momentos de tristeza. Exatamente por aflorar sentimentos tão diversos, essa é uma das datas mais emocionantes do ano e dela sempre ficam histórias para contar por toda a vida. LINDA buscou através da promoção Meu Natal Inesquecível esses relatos de episódios incríveis e de fatos nem tão felizes para contar nessa edição especial.
Foram recebidos 25 e-mails que contavam um pouco dos acontecimentos da noite do dia 24 de dezembro. Cada um deles trazia uma emoção diferente, grande parte contando fatos acontecidos há muitos anos. Todos os relatos foram lidos e relidos pela equipe da revista LINDA que elegeu cinco deles para contar nas próximas páginas. O que eles têm incomum? Amor e doação. A redação buscou as histórias que pudessem trazer alguma mensagem aos leitores como a do técnico em segurança do trabalho Francisco Antenor Nöller, eleita a mais emocionante e que ilustra a capa dessa edição especial de Natal.
Papai Noel também chora
Todo o ano me visto de Papai Noel e saio para tentar levar um pouco de alegria a crianças que muitas vezes já não esperam mais nada do Natal. Essa história se repete há 10 anos, abro mão de ficar com minha família para levar os brinquedos que arrecado com amigos para os bairros mais carentes da cidade. Quando comecei, os presentes ainda eram poucos, mas no último ano já consegui mais de 750 brinquedos, todos simples, comprados nas lojas de R$ 1,00, mas que percebo nos olhos de cada um que entrego como eles fazem diferença na vida deles.
O trabalho é cansativo, são horas e mais horas caminhando por lugares onde o Papai Noel não costuma chegar. Distribuo muitos sorrisos, mas conselhos também quando vejo que a vida desses pequenos está perdendo o rumo. Dessa trajetória percorrida sempre acontecem coisas inesquecíveis e que me marcam muito, mas uma em especial aconteceu no Natal de 2009.
Como sempre faço, começo a me vestir na tarde do dia 24. Ali é como se eu fosse um ator e ao colocar cada peça do traje do bom velhinho vou me despedindo de mim e encarnando realmente o papel dele. É incrível como minha voz muda, o jeito de falar e até de caminhar. Saio de casa como se realmente fosse o Papai Noel. Nesse último ano, além dos brinquedos de sempre resolvi reformar algumas bicicletas usadas que ganhei para também presentear. Imagina, para um menino que só vê bicicleta de outros, isso é um sonho.
Uma amiga pediu que uma delas tivesse um destino especial. Deveria ser dada para dois irmãos que haviam perdido a mãe há menos de um mês e estavam desconsolados com a perda. Além da miséria, ainda enfrentavam mais aquela dor. Era uma bicicleta para dois, mas era o que estava ao nosso alcance e lá fui entregá-la. Quando me avistaram ao contrário do que se esperava não correram para pegá-la, correram para buscar uma cadeira para que eu me sentasse.
Quando sentei, cada um sentou em uma de minhas pernas e pediram que eu fizesse uma oração. Abraçados, rezamos sem pedir nada, apenas rezamos. E o Papai Noel chorou diante daquela situação inesperada. Eram apenas dois meninos de sete e nove anos e queriam antes do presente orar acredito que em nome de uma vida melhor. Durante todo o tempo que estive com eles, apesar de estarem radiantes com a bicicleta, eles não a pegaram para andar. Ficaram aproveitando a minha companhia. Dei outros brinquedos e balas também, que por sinal, apesar da pobreza, eles me ofereciam a cada vez que iriam comer uma.
Saí de lá com o coração partido, mas o Papai Noel precisava continuar sua caminhada. Outras crianças ainda me aguardavam. Terminada a missão, a história não saía dos meus pensamentos e nesse ano vou voltar lá e em tantos outros lugares que esperam pelo bom velhinho e a esperança que ele traz. Quando terminar vou sentir novamente que o bem maior foi feito para mim e já começo a pensar no próximo Natal.
Dedico essa história a todos que me ajudam a ter essa emoção me doando brinquedos para que eu possa entregá-los nessa noite mágica de Natal.
Francisco Antenor Nöller
40, técnico em segurança do trabalho
O tempo não para
Minha história mistura passado, presente e futuro e para mim é muito especial! Sou de uma família grande – sete filhos, noras, genros, pai, mãe e muitos netos. Como somos de origem simples era quase impossível presentear a todos no Natal, então em 1997 minha mãe instituiu o amigo secreto de R$ 1,99. Assim todos poderiam participar, não sairia caro para ninguém e ao final o objetivo seria alcançado, pois cada um seria presenteado. Tiramos nossos papeizinhos e guardamos o segredo até a noite de Natal.
No momento da revelação a minha alegria foi saber que meu pai tinha me tirado e mais feliz fiquei em ouvir sua mensagem, dizendo que me amava muito e que eu merecia um presente que não era o que estava na caixa. Em meu ouvido ele disse que queria me dar um relógio dourado e que só não o fez em respeito aos outros, mas que no próximo ano ele não iria ser o meu amigo secreto e que iria me entregar o presente de uma forma ou de outra. Ele queria me dar algo especial por sermos muito próximos e parecidos no modo de ser.
Chegou 1998 e meu pai morreu de forma súbita. Foram momentos muito tristes, a cada dia parecia que a saudade aumentava, por meses paramos de viver e nossa vida só girava em função da sua morte. Não existia mais alegria, comemorações de aniversários ou almoços de domingo. Era como se tudo tivesse perdido a graça. Em meio a essa tristeza o tempo passou tão depressa que nem percebemos que já era novamente Natal. Enquanto as casas eram enfeitadas com luzinhas, a nossa permanecia na escuridão. Enquanto todos sorriam continuávamos em nosso luto. Não tínhamos Papai Noel e nem pai, era como se o Natal tivesse acabado. Naquele ano não fizemos amigo secreto e nem comemoração, só ficamos em frente à tevê.
Quando deu meia-noite, cada um de nós levantou e vagarosamente fomos nos cumprimentando, nesta hora não contivemos nossas lágrimas, não queríamos, mas choramos muito. Sentimos a falta do nosso pai, mas sabíamos que a vida precisava continuar. Durante aquele momento de troca de carinho descobrimos que o sentido do Natal é valorizar quem está a nossa volta e naquele mesmo instante a campainha tocou – era o meu namorado (hoje meu marido) que vinha nos desejar Feliz Natal.
Ele me abraçou com carinho e entregou-me o presente embrulhado em fita dourada, não abri na hora, pois sua presença ali já era um grande presente, mas ele pediu que eu abrisse. Quando abri vi na caixa o relógio dourado, o relógio que meu pai me prometeu para o Natal que não tivemos. Chorei muito, mas foi de alegria, pois naquele momento senti a presença dele e descobri que as pessoas que amamos continuam por perto e são presença em nossa vida. Uma brisa suave se fez presente, então coloquei meu relógio no pulso e segui meu caminho, pois o tempo não para e a vida segue o seu curso, esperando sempre pelo próximo Feliz Natal!
Rosana Ortiz
37, professora
Rosana com o marido Paulo e seu relógio dourado
Natal atrasado
Meu Natal inesquecível aconteceu em 1973 e mesmo depois de quase quatro décadas ainda está vivo em minha memória. Eu tinha 12 anos e meu pai havia falecido, a família de seis irmãos, quatro homens e duas mulheres, agora dependia somente da minha mãe. Para garantir nosso sustento, ela trabalhava em três casas como empregada doméstica, mesmo assim a vida não era fácil e muitas vezes passávamos por necessidades financeiras. Sem outra alternativa, ela mandou eu e um dos meus irmãos para internato no antigo Patronato Agrícola. Lá teríamos comida, vestuário e estudo.
Passávamos o ano todo no internato, mas sempre vínhamos para as festas de Natal. Nossa mãe já nos esperava com trabalhos arrumados, vendíamos picolés para ajudar a comprar nossa alimentação. Naquele Natal de 73, como em todos os outros, balas foram nossos presentes. Era só o que minha mãe podia nos dar. Na hora que ela nos entregou os doces, notei que minha irmã mais nova, na época com cinco anos, estava muito triste e logo começou a chorar. Perguntei o porquê das lagrimas e aos soluços ela me disse que estava decepcionada com o Papai Noel. Ela tinha pedido uma boneca igual a que sua amiguinha iria ganhar. Ela me disse que queria muito esse brinquedo, mas como era cara para nossas posses, não poderíamos comprar.
Diante da cena triste da noite de Natal, prometi a ela que deveria esperar, pois ainda ganharia essa boneca. Pedi para minha mãe para guardar o dinheiro dos picolés vendidos nos próximos dias para que eu pudesse comprar o presente. Trabalhei muito empurrando aquele carrinho sob o sol nas ruas da cidade e depois de cinco dias consegui finalmente juntar o dinheiro que precisava. Na véspera do ano-novo entreguei a boneca a ela que chorou, mas dessa vez era de alegria. Foi um Natal atrasado, mas feliz. Hoje, infelizmente não tenho mais minha irmã ao meu lado. Ela buscou a morte em 2001 aos 34 anos, talvez por uma tristeza que começou lá nos tempos de menina. Não a tenho mais aqui, mas tenho a lembrança de um dia ter feito ela sorrir.
Delmar da Silveira Jaques
50, sargento do Corpo de Bombeiros
Delmar relembrando os momentos em que vendia picolé
A Monareta azul
Naquele dezembro de 1971 fomos passar a segunda temporada do mês no chalé do tio Ewaldo, na praia de Imbé. A viagem até lá era uma odisséia, pois não havia asfalto e levávamos quase um dia inteiro. Tínhamos uma Kombi que ia lotada de mantimentos (não havia grandes redes de supermercado naquela época), malas, brinquedos e nunca faltava a galinha enfarofada já que os bares de estrada eram raros e caros. Ficamos sozinhos, nós e a mãe, pois o pai tinha de instalar a rede elétrica em uma escola que seria inaugurada em São Gabriel e só voltaria na noite do dia 24.
No Natal, cada filho podia pedir um presente especial e naquele ano o meu pedido era uma bicicleta Monareta azul do Grêmio, mas as chances desse desejo se realizar eram mínimas, pois era muito caro para as nossas posses e dependia do pai receber o pagamento pelo trabalho que há meses realizava em São Gabriel. Chegou o grande dia e eu fiquei sentada na frente do chalé esperando que o pai chegasse. Ninguém conseguia me tirar dali e a mãe, com medo da minha decepção, ia dizendo que eu me preparasse pois era muito provável que o presente não viesse.
Caiu a noite e o pai não chegava. Já estávamos mais preocupados com ele do que com a celebração de Natal. Nos anos 70, não havia telefone por lá, muito menos celular para poder saber o que estava acontecendo com uma pessoa em viagem naquelas estradas perigosas. Estava ficando tarde e, sozinha, sentada na área da frente, comecei a orar e chorar baixinho. Disse a Deus que abria mão da bicicleta, o mais importante era o pai chegar são e salvo!
Finalmente, depois de um tempo, que me pareceu uma eternidade, ouvi o barulho do motor da Kombi. Comecei a pular e a gritar para chamar os outros, corri e abracei o pai, apertado, mas vi que o sorriso dele era triste, olhei pelos vidros do carro e parecia vazio, mas tudo bem, meu pedido tinha sido atendido!
Na hora de abrir os presentes, quando chegou a minha vez, disseram que eu abrisse a porta da frente e qual foi a minha surpresa: lá estava ela, a minha Monareta azul. Meu pai havia tirado o banco do meio da Kombi, deitou a bicicleta e cobriu com um cobertor, por isso eu não a vi e ainda fez cara de triste para disfarçar! Papai Noel mandou meu pai e ainda com ele a bicicleta.
Elaine Prass
48, arte-educadora
Ruben Prass ao lado da filha Elaine são e salvo até hoje pelo pedido de Natal dela
Natal 1968
Sem dúvida o Natal de 1968 foi o melhor da minha vida. Eu tinha seis anos e como toda criança tinha feito vários pedidos – achava que tinha tido um comportamento nota 10 e por isso merecia mais de um presente. Nesse ano estávamos morando em Hamburgo, na Alemanha, pois meu pai fazia a Escola Militar para Estrangeiros lá. Éramos duas famílias de brasileiros morando no exterior e unidas pela saudade dos que aqui ficaram. Seria o primeiro e talvez o único Natal da minha vida com toda magia que envolve essa data – o frio, a neve, São Nicolau. Tudo aquilo que sempre vimos nos livros e contos, agora era real para minha família. O clima era realmente de Natal.
Morávamos perto de um centro comercial onde sempre passeávamos. Num desses dias parei em frente à vitrina de uma loja de brinquedos e me encantei com um quarto de boneca, tipo esses da Barbie. Entrei, perguntei o preço e fui para casa conferir meu cofrinho. Lógico que faltava. Passei a economizar minha mesada, já que meu pai explicou que não poderia me dar esse presente. Até que com muito esforço juntei o necessário. Fui com minha irmã até a loja e iria toda orgulhosa fazer minha primeira compra. Mas para minha surpresa o quarto havia sido vendido e não havia mais, muito menos chegaria para o Natal.
Meu pequeno mundo de criança caiu. Tinha sonhado e fantasiado muitas horas de brincadeira com aquele quarto. Já tinha as bonecas, as roupinhas, só faltava o quarto. Voltei para casa desconsolada e meu pai mais uma vez me explicou que a vida era assim, nem sempre as coisas acontecem como gostaríamos. Vieram então os preparativos do Natal. As comemorações foram entre as duas famílias brasileiras na nossa casa. Nevava muito, o que nos encantava. Vieram os presentes e fui a última a ser chamada (afinal era a mais nova de todos). Ganhei uma boneca que arrotava. Gostei, tenho até hoje, mas não era isso que imaginava.
Passado uns minutos fui chamada novamente e para minha surpresa lá estava o meu quarto, lindo e deslumbrante. Na minha cabeça de criança o Papai Noel tinha realmente adivinhado o meu desejo e nunca mais duvidei da sua existência. Guardo esse quarto com muito carinho até hoje e agora minha neta Luana vai brincar como eu brinquei muito na minha infância, coisa que a maioria das crianças não fazem e pulam etapas nas suas vidas.
Sempre ficou uma dúvida na minha cabeça – minha irmã e minha mãe teriam conversado com o Papai Noel e contado o meu desejo? Durante a infância dos meus filhos, tentei passar toda essa magia e ilusão do Natal e farei com a neta também, pois temos que acreditar que o Papai Noel existe, assim viveremos melhor.
Dedico essa história ao meu pai, que sem dúvida nenhuma me proporcionou esse Natal inesquecível de 1968. Ele era realmente meu Papai Noel.
Márcia Tischler
48, corretora de imóveis
Márcia e o quarto de bonecas guardado com carinho para recordar do Natal de 68