Restrição ao uso da sibutramina reabre debate sobre remédios para emagrecer
O controle mais rigoroso sobre a venda da sibutramina, em vigor desde o mês passado no Brasil, está reabrindo o debate sobre o uso de remédios para emagrecer. Os medicamentos que contêm a substância – um potente inibidor de apetite que se popularizou no ano passado depois da quebra de patente – estão começando a chegar com tarja preta nas farmácias e só podem ser vendidos se os pacientes apresentarem a receita azul, utilizada para controle especial. Por meio dela é possível rastrear quem está receitando e quem está consumindo o medicamento.
A polêmica começou em janeiro, quando os países da Europa suspenderam o uso da sibutramina. A agência europeia do setor alegou que os riscos provocados pelo medicamento são bem maiores que os benefícios. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) primeiro emitiu um alerta aos médicos. Depois decidiu apertar as regras. O argumento está no estudo que demonstrou um aumento do risco cardiovascular nos pacientes tratados com a substância.
O uso descontrolado da sibutramina também pesou na decisão da Anvisa. No ano passado o Brasil foi um dos países onde mais se consumiu a droga: 1,9 tonelada. Em Cachoeira do Sul, responsáveis por três farmácias localizadas no Centro garantem que as vendas de remédios à base de sibutramina cresceram muito nos últimos meses. A redução do preço, que passou de mais de R$ 100,00 para R$ 30,00 a caixa, considerando os valores médios, teria sido um dos motivos.
A multiplicação de histórias de gordinhos que perderam peso rapidamente sem qualquer esforço físico ou alimentar também incentivou mais gente a correr atrás do remédio. Muitos sem acompanhamento médico e até sem necessidade. É o caso da vendedora Cláudia Alves de Oliveira, 28 anos. Na metade de 2009, quando pesava 68 quilos, ela tomou sibutramina para perder cinco. Adiantou, mas hoje avalia que foi um exagero. “Me faltou vontade para tentar emagrecer fechando a boca e fazendo exercícios”, admite.
AUTOESTIMA – A comerciária Elaine Joice Becker, 24 anos, começou a tomar sibutramina há nove meses, três meses depois de ganhar o segundo filho. Ela estava 12 quilos acima do peso e hoje contabiliza a perda de 14. No começo eram dois comprimidos por dia. Atualmente a dose baixou para um por dia, uma semana sim e outra não. “A pessoa perde rapidamente a ansiedade que a faz comer sem necessidade. É bom, apesar dos efeitos colaterais. Hoje sou outra pessoa. Minha autoestima aumentou”.
O marido de Elaine, Jerônimo Pires Scortegagna, 25 anos, começou tomar remédio há um mês e meio e está emagrecendo. “Sem aumentar a quantidade de exercício físico”, destaca. “Não tentei perder peso fazendo dieta e exercícios porque não tenho tempo e, nos fins de semana, acabaria comendo demais. Conseguiria apenas manter o peso, não perder. O remédio era o único jeito”, explica Elaine.
Jerônimo e Elaine: remédio é a única alternativa
Não existe cápsula milagrosa, diz médico
Com a experiência profissional e também de quem já tomou sibutramina, o médico Denis Pfeiff, especialista em medicina interna, se diz favorável ao rigor na venda do remédio. Ele admite que o uso do inibidor de apetite – que possui um mecanismo de ação semelhante ao de antidepressivos – estava saindo de controle e explica que a substância é para caso de necessidade, e não de vaidade. “As pessoas devem ter bem claro que não existe cápsula milagrosa, que vai fazer perder peso para sempre sem qualquer esforço”, observa.
Segundo a endocrinologista Zilda Gomes, especialista no assunto, o uso da substância é indicado para o tratamento de pacientes com obesidade com Índice de Massa Corporal (IMC) 30. É o equivalente a um adulto com 1,70 metro de altura e 90 quilos, aproximadamente. “Pacientes com IMC maior que 27 que precisam emagrecer por terem outros fatores de risco associados, como diabetes, também podem tomar”, acrescenta. Ela e Pfeiff são claros ao dizer que o medicamento deve ser usado em conjunto com dieta e exercícios. “Dieta e exercício sempre”, reforça o médico.
Pouco sono e muito pesadelo
A atendente de farmácia Daniane Pazatto, 25 anos, joga futebol e estava com duas competições pela frente quando decidiu tomar sibutramina por conta. Estava com 55 quilos e queria chegar a 52. Conseguiu, mas fazendo exercícios e fechando a boca por vontade própria. Ela desistiu do remédio após consumir uma caixa e sofrer com alguns dos efeitos colaterais. “Realmente só comia o necessário. Mas ao mesmo tempo dormia muito pouco e ainda tinha muito pesadelo. Passei a ficar mais agitada”, relata, dizendo que não se arrepende por ter emagrecido com esforço. “Foi melhor”.
O médico Denis Pfeiff diz que, de fato, a sibutramina tem efeitos colaterais relevantes. “Os mais comuns são dor de cabeça, secura na boca, alteração no paladar, falta de sono, taquicardia, hipertensão, palpitação, tontura, náusea e constipação intestinal”, resume. Segundo ele, a substância não é recomendada para menores de 18 anos e mulheres grávidas e que estejam amamentando. No caso de pessoas obesas que sofrem de hipertensão ele diz que o benefício é maior que o risco. “A pressão sobe um pouco, mas quando a pessoa perde peso a situação se normaliza”, explica.
A sibutramina atua diretamente no sistema nervoso central, numa parte do cérebro responsável por controlar a sensação de ansiedade e fome. Ou seja, quando uma pessoa toma a substância ela passa a se sentir satisfeita com uma quantidade menor de alimentos do que costumava ingerir. O objetivo é o controle das calorias, possibilitando assim a reeducação alimentar e consequentemente a perda de peso. Segundo a médica Zilda Gomes, a sibutramina aumenta a sensação de saciedade. “Além disso, tem como efeito a elevação do gasto calórico”, acrescenta. Ela destaca que emagrecer requer uma mudança no estilo de vida. “Mudanças incorporadas nos hábitos de vida do paciente são necessárias para que ele não recupere o peso após parar de tomar sibutramina”, adverte.