Violência em família
Os principais tipos de violência familiar são praticados contra a criança e contra a mulher.
O abuso físico é, geralmente, repetitivo e sua severidade tende a aumentar a cada nova investida
A família é referência para todos os caminhos que devemos seguir. É dela que saem as decisões mais eficazes de nossas vidas. É onde está a base de nossa educação. Quando precisamos de paz, a encontramos no colo de nossos familiares. Estranho pensar, então, que tanta gente sofre violência em seu próprio lar, por seus próprios familiares. Mas essa é uma realidade universal. Os principais tipos de violência familiar são praticados contra a criança e a mulher.
A violência contra a criança acontece desde a negligência até os maus tratos de ordem física e de abuso sexual. Sua origem é multifatorial e sua compreensão exige a observação das circunstâncias e do ambiente em que a criança vive. A violência contra a mulher engloba qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.
Palmada que dói
A infância deveria deixar na criança apenas marcas da alegria, das brincadeiras, do carinho familiar. Mas nem sempre é isso que acontece. Milhares de crianças, ainda pequenas, carregam as marcas da violência. Sofrem abusos dentro de casa, são espancadas e vítimas da exploração sexual. Não existe uma causa única da violência contra a criança. Seu temperamento é um fator que pesa bastante. Outro é a falta de firmeza dos pais. Também provocam situações de risco para a criança, a violência conjugal, a falta de apoio social, os agentes causadores de estresse, como bairros perigosos ou isolamento social, a aceitação ampla da punição (castigo corporal) e o estímulo à violência nos filmes e na música.
Somente nos primeiros cinco meses deste ano foram registrados na Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente (DPCA) de Cachoeira do Sul sete casos de exploração e abuso sexual contra três registrados no mesmo período do ano passado. De acordo com o delegado regional, João Silveira Goulart, esse crescimento não chega a preocupar, pois os números não mostram a realidade. "Como os abusos acontecem geralmente no âmbito familiar, a maioria tende a acobertar a violência e acaba não levando ao conhecimento da Polícia. Não podemos traçar um perfil da violência já que sabemos que boa parte dos casos não chega até nós", observa.
Segundo a presidenta do Conselho Tutelar de Cachoeira do Sul, Ivonir Loreto de Moraes, todas as crianças ou adolescentes vitimas da violência, seja física ou sexual, recebem o acompanhamento psicológico. "Quando recebemos esse tipo de denúncia, o primeiro passo é retirar a vítima do meio familiar transferindo-a para a casa de um parente ou em último caso para o Abrigo Transitório até que a situação seja esclarecida", comenta. Hoje, a maioria dos casos que chegam ao conhecimento das conselheiras está relacionado a abandono, espancamentos e abuso sexual.
Dormindo com o inimigo
A violência doméstica e familiar contra a mulher é, ainda hoje, um grave problema mundial e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres. De acordo com especialistas no assunto, a violência contra a mulher acontece porque, em nossa sociedade, muita gente ainda acha que o melhor jeito de resolver um conflito é usando a violência e que os homens são mais fortes e superiores às mulheres.
Apesar de muitas vezes o álcool, drogas ilegais e ciúmes serem apontados como fatores desen-cadeantes da violência, na raiz de tudo está a maneira como a sociedade dá mais valor ao papel masculino, o que por sua vez se reflete na forma de educar os meninos e as meninas. Desde muito novos, os meninos são incentivados a valorizar a agres-sividade, a força física, a ação, a domi-nação e a satisfazer seus desejos. As meninas são valorizadas pela beleza, delicadeza, sedução, submissão, depen-dência, sentimentalismo, passividade e o cuidado com os outros.
A falta de denúncia ocorre em função do medo, de mais violência ou de terminar um relacionamento que, apesar de ruim, oferece algum tipo de compensação física, econômica, moral ou ideológica. Estima-se que mais da metade das mulheres agredidas sofra calada e não pede ajuda. Para elas é difícil dar um basta na situação. Muitas sentem vergonha e dependem emo-cionalmente ou financeiramente do agressor. Outras acham que "foi só daquela vez". Outras ficam caladas por causa dos filhos, ou porque têm medo de apanhar ainda mais ou não querem prejudicar o agressor, que pode ser preso ou condenado socialmente. E ainda tem aquela idéia do "ruim com ele, pior sem ele".
Maria da Penha ainda não surtiu efeito
De acordo com o delegado regional de Polícia João da Silveira Goulart, a Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em setembro do passado prevendo mais rigor nas aplicações penais praticadas com violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, ainda não surtiu efeito em Cachoeira do Sul. "A lei está sendo muito banalizada. Há por exemplo mulheres que estão criando situações para se valer dos seus benefícios", observa. De setembro do ano passado até abril desse ano, foram registrados 276 casos de violência contra a mulher no Posto Policial da Mulher de Cachoeira do Sul. Apesar de não revelar os números anteriores, Goulart diz que o volume de ocorrências se manteve estável em relação ao mesmo período do ano passado.
FIQUE DE OLHO
O abuso físico é, geralmente, repetitivo e sua severidade tende a aumentar a cada nova investida. Logo, qualquer lesão suspeita deve ser adequadamente investigada.
. Cerca de 200 mil crianças e adolescentes brasileiros declararam ter sofrido agressão física. Em 80% dos casos, os agressores eram parentes e conhecidos.
. Estima-se que 20% das mulheres e 10% dos homens de todo o mundo tenham sofrido violência sexual na infância. A estimativa do número de agressores punidos, entretanto, é bem menor: 6%.
Silêncio: estima-se que mais da metade das mulheres agredidas sofram caladas e não peçam ajuda
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