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Reportagens Edição 191 - Julho de 2024

Uma chance para a vida


“A tranquilidade de ter dois é maravilhosa. Eles estão sempre interagindo um com o outro, e são nesses momentos que transbordo sentimentos que me dão a certeza de que tudo valeu a pena”. Ciane Bulsing. Ciane Bulsing

A história de milagre dos gêmeos Augusto e Otávio


Gestar, segundo o dicionário, é o mesmo que “formar e sustentar um filho no próprio organismo”. Sem dúvidas, é um ato de amor, coragem e muita responsabilidade. No caso da Ciane Bulsing, 30, tudo isso foi em dose dupla. Em 16 de outubro do ano passado, ela e o esposo Bernardo Bulsing, 32, conheceram o maior amor do mundo, e eles atendem pelos nomes de Augusto e Otávio.

 

A chegada dos gêmeos foi um verdadeiro milagre. A gestação da Ciane foi monocoriônica diamniótica, que é quando os bebês dividem a mesma placenta, mas cada um tem uma bolsa diferente dentro do útero. Em 15% das gestações desse tipo, acontece a chamada Síndrome da Transfusão Feto-Fetal (STFF).

 

“Foi com 18 semanas, em um ultrassom, que identificamos que havia algo errado”. Minhas médicas agilizaram todo o processo e marcaram uma consulta no Hospital Santa Casa, em Porto Alegre, com uma cirurgiã fetal referência. Nos foi explicado que, na placenta, algumas ramificações sanguíneas dos bebês se fundiram, e eles estavam fazendo uma transfusão de sangue entre eles. Se não fizéssemos nada, eles iriam a óbito, um por insuficiência cardíaca e o outro por falta de oxigênio e anemia”, relembra.

 

“A condição é perigosa para ambos os gêmeos, mas pode ser detectada precocemente com o devido acompanhamento médico já no início da gestação.”

Roberta Bulsing dos Santos

 

Cirurgia de alto risco

A única salvação dos três – porque a mãe também estava correndo perigo – era realizar uma cirurgia intrauterina de alto risco para chegar até a placenta e, com um laser, fazer a cauterização dos vasos sanguíneos que estavam se comunicando.

 

Haviam muitas ameaças em jogo: possibilidade de romper a bolsa, entrar em trabalho de parto e, ainda, a perda dos bebês. “A garantia de 80% de chances era de salvarmos um deles, e 60% de salvarmos os dois”, conta Ciane.

 

A decisão teve que ser rápida, pois cada segundo era valioso. Em 17 de junho do ano passado, apenas dois dias depois de descobrir a síndrome, Ciane se viu enfrentando um dos maiores desafios da sua vida. A cirurgia, que precisou ser realizada de forma particular, pois o SUS ou planos de saúde não cobrem esse tipo de procedimento, foi concluída com sucesso! Mãe e bebês estavam salvos!

 

 

A resposta dos pedidos de oração

“Eu pedi por aqueles bebês durante muito tempo. Desde criança, pedia a Deus para ser mãe de gêmeos, e recebi esse presente. O meu pensamento era: ‘se Deus me deu essa benção, Ele não vai me tirar. Eles vão ser salvos’. Essa era uma certeza que eu tinha, apesar do medo”, diz.

 

Após a cirurgia, foram mais de 70 dias internada em Porto Alegre, longe de casa e toda a sua família. Ela precisou fazer repouso absoluto e aguardar, por medidas de segurança, o máximo de tempo que conseguisse para garantir o desenvolvimento perfeito dos bebês. “Me mantive tranquila por eles. Não me deixei afetar pelo o que eu não tinha controle. Praticamente morei no hospital, então deixei o quarto com a minha cara, decorei como podia, levei roupa de cama e itens pessoais que fizeram eu me sentir melhor. Fui muito bem cuidada e fiz amizades maravilhosas”, conta Ciane.

 

Depois dos longos dias de internação, finalmente, chegou o momento tão esperado: o nascimento dos bebês. A transfusão sanguínea não gerou nenhuma sequela e os dois nasceram fortes e saudáveis. Augusto com 3,2kg e 48cm e Otávio com 2,6kg e 45cm. Hoje, eles já estão com quase nove meses de vida. “Os meninos esbanjam saúde. São espertos e bem precoces para a idade deles. Começaram a engatinhar com seis meses e desde os sete já ficam em pé”, diz, orgulhosa. Apesar de terem nascido na capital gaúcha, os pais fizeram questão de registrar os gêmeos em Cachoeira do Sul.

 

 

Entendendo a síndrome

A gestação de gêmeos, por si só, já é de maior risco quando comparada à gestação de um único bebê. E quando eles dividem a mesma placenta, este risco aumenta ainda mais. A Síndrome da Transfusão Feto-Fetal (STFF) é uma condição que pode ocorrer em gestações de gêmeos idênticos que compartilham a mesma placenta.
 
“Nesses casos, há uma conexão anormal dos vasos sanguíneos da placenta, fazendo com que um dos gêmeos receba mais sangue que o outro. O gêmeo que recebe muito sangue pode desenvolver pressão alta e excesso de líquido amniótico (o líquido que envolve o bebê no útero). Já o gêmeo que recebe pouco sangue pode ter dificuldades de crescimento e pouco líquido amniótico”, explica Roberta Bulsing dos Santos, 44 anos, médica ginecologista e obstetra e especialista em Medicina Fetal e Ultrassonografia Ginecológica e Obstétrica.
 
Roberta acompanhou Ciane e os bebês durante toda a gestação, e afirma que o diagnóstico precoce tanto da doença, quanto da corionicidade (número de placentas) da gestação, cujo período ideal de realização é em torno de 8 semanas, é fundamental para que tudo ocorra bem.
 
“A ultrassonografia obstétrica transvaginal realizada precocemente no primeiro trimestre é de suma importância para o acompanhamento adequado de qualquer gestação, mas, principalmente, das gestações gemelares monocoriônicas. Quando confirmado este diagnóstico, o acompanhamento será definido, podendo ser a cada 15 dias no segundo trimestre, e dependendo das condições fetais, ainda mais frequentes”, diz.





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