Ativista cachoeirense atua na defesa e promoção de direitos LGBTQI+ na cidade e região
Pelo direito de ser: “Com educação e leis que coíbam violações, podemos avançar não apenas no debate, mas na garantia do direito à cidadania, em sua conceituação, bem como na democracia”. Suelen Moraes
Somos todos iguais, e ao mesmo tempo diferentes. Compreendendo as semelhanças e acolhendo as diferenças, percebemos a extensão dos privilégios que nos cercam, bem como a realidade latente da discriminação, do preconceito e da intolerância, seja por classe social, cor de pele ou orientação sexual. Esse é um problema grave que persiste enraizado na cultura brasileira e se reflete sobre dados alarmantes: o Brasil ocupa o primeiro lugar em homicídios de LGBTQIs nas Américas, segundo a Associação Ilga, e também é o país que mais mata travestis, mulheres transexuais e homens trans do mundo, de acordo com a organização não governamental Transgender Europe (Tgeu).
Uma das líderes de defesa do movimento LGBTQI+ em Cachoeira do Sul e região, a acadêmica de Serviço Social SUELEN FERREIRA MORAES, 26, é estagiária no Centro Municipal de Atendimento à Sorologia (Cemas) de Santa Cruz do Sul e integra a gestão do diretório central dos estudantes (DCE) da Unisc, a coordenação regional da Executiva Nacional dos Estudantes do Serviço Social e uma bolsa de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento e Tecnologia. Em Cachoeira do Sul, a estudante é presente nos coletivos LGBTQI+ e feminista.
CRIMINALIZAÇÃO DA LGBTFOBIA
“A criminalização é de extrema importância, já que se pretende através dela reprimir as diversas violências contra a população LGBT, visto que o Brasil é um dos países onde mais se tem relatos dessas violações de direitos. Além da criminalização, precisamos pensar também na capacitação e educação que visem a inclusão e não exclusão e em políticas públicas que abarquem essas situações de violência. Acredito que através da tipificação penal haverá a produção de dados, estatísticas, que nos façam entender a real situação em que essa população é submetida, com isso podemos cobrar do Estado o enfrentamento dessas situações”.
* A criminalização da LGBTfobia foi aprovada na CCJ do Senado. Proposta equipara discriminação a pessoas LGBT ao crime de racismo. O Senado também aprovou projeto que inclui mulheres trans na Lei Maria da Penha, em maio último.
“KIT GAY” E “IDEOLOGIA DE GÊNERO”
“Não há material didático disponível nas escolas sobre a população LGBTQI+, haja visto o desconhecimento geral da população, até mesmo dentro do ambiente acadêmico, sobre o que é identidade de gênero e orientação sexual. O que pode acontecer é o professor utilizar da liberdade de cátedra, procurar materiais disponíveis sobre a temática e, assim, propor o debate aos alunados. Acredito que o desconhecimento cause pânico na população em geral.
Vivemos tempos onde os ânimos estão acirrados. As pessoas compram a ideia de terceiros, que com más intenções distorcem conceitos científicos, introjetam essa informação e engessam de tal forma que é difícil explicar o que é ciência e o que é senso comum. Exemplos disso são os tais ‘kit gay’ e ‘ideologia de gênero’. Querem falar e opinar sobre tudo sem estudar e pesquisar em plataformas científicas. Principalmente nas redes sociais, há uma desumanização do outro, sobretudo no que tange ao diferente, seja no viés político, de gênero ou de sexualidade”.
SOCIALIZAÇÃO
E SEXUALIDADE
“Nosso país foi construído com bases desiguais, e dessa forma segue. Até o final da década de 80, as sexualidades não heterossexuais eram vistas como patologia. Até pouco tempo, a transgeneridade (pessoas que têm uma identidade de gênero, ou expressão de gênero, diferente de seu sexo atribuído) também era vista como uma doença. Esses discursos seguem sendo reivindicados por uma parte da população que detém meios e recursos para disseminar isso e dessa forma estigmatizar nossa população, o que dificulta a garantia de direitos e nos joga para a abjeção”.
AVANÇOS
Entre as principais conquistas obtidas pela população LGBTQI+ no município e região, Suelen destaca a capacitação de profissionais e futuros profissionais no atendimento ao público. “Antes do Supremo Tribunal Federal (STF) normatizar a não judicialização no processo de retificação de registro geral de pessoas trans (que autoriza o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero em registro civil) houve a construção de um mutirão em parceria com Creas e Defensoria Pública com vistas a isso”, enfatiza.
A estudante cita também a construção do coletivo LGBTQI+ Nickolle Rocha (nome em homenagem à transexual assassinada em 2016, em Cachoeira do Sul). “Nas rodas de conversa sobre violência de gênero em ESFs da cidade, os relatos foram muito marcantes e emocionantes”, diz.
O QUE DIZ O MINISTÉRIO PÚBLICO
“No âmbito do Ministério Público e do Poder Judiciário, não há dados específicos sobre atos de violência contra o grupo LGBT+. Não podemos responder, contudo, em nome do Município, o que se acredita que também não os possua. Na prática, a penalização a crimes praticados motivados pelo preconceito de gênero pode ocorrer de forma mais severa através da qualificadora do motivo torpe no crime de homicídio (artigo 121, §2º, inciso I, do Código Penal) ou da agravante genérica do motivo torpe (artigo 61, inciso II, a, do Código Penal) para os demais delitos, como o de lesão corporal”.
MARISTELA SCHNEIDER, promotora de Justiça de Cachoeira do Sul