Assombração em Cachoeira: terror real ou fictício?
Cidade é palco de histórias de visagens e assombrações
Quem nunca ouviu falar das casas “mal-assombradas” da Rua Marechal Floriano e da Volta da Charqueada? Com 197 anos de fundação, Cachoeira do Sul é o quinto município mais antigo do Rio Grande do Sul, mas sua história inicia ainda antes, em 1750, época colonial que remonta a índios, portugueses e escravos. Dessa antiguidade surgiram muitas histórias de mistério que perduram até os dias de hoje. Há quem garanta ter ouvido vozes e barulhos e enxergado vultos em diferentes locais, mas pouco se sabe a respeito. Por isso convidamos a professora Mirian Regina Machado Ritzel, 55, pesquisadora da história local há quase 30 anos, para esclarecer algumas dúvidas sobre o assunto.
“Toda história de assombração que se preze e toda lenda que se consagre guardam traços da realidade com uma generosa dose de imaginação e mistério”, entende Mirian
FAMÍLIA TEM LIGAÇÃO COM CASAS MAL-ASSOMBRADAS
Mirian investiga a história do município desde o seu ingresso no Museu Municipal, em 1987, e confessa que este não é um assunto de sua área de interesse, mas desde muito tempo ouve falar dessas duas casas mal-assombradas na Rua Marechal Floriano e na Volta da Charqueada, embora nunca tenha presenciado nada de anormal nas localidades. Ela fala que essas já são consagradas pelo imaginário popular como palco de acontecimentos “estranhos”. Segundo relatos, as duas casas apresentam manifestações clássicas de assombração, como o som de vozes, de barulhos estranhos e de músicas e vultos.
De acordo com a pesquisadora, à primeira vista não há relação entre as duas casas, mas elas pertenceram a membros da mesma família. “Ao buscarmos os nomes dos proprietários originais encontramos uma coincidência: a casa da Rua Marechal Floriano foi construída para moradia do médico David Fontoura de Barcellos e o sobrado da Volta da Charqueada era a sede da antiga fazenda que pertenceu ao Coronel David Soares de Barcellos, respectivamente neto e avô”, explica.
SAIBA MAIS
Mirian Ritzel afirma que, como pesquisadora, se ocupa de fatos e pessoas que constituíram períodos da história municipal. “Diante disto, no máximo posso contribuir buscando elementos da realidade que de alguma forma possam ter relação com os ditos fenômenos relatados ou que os contextualize historicamente”, explica.
Para Mirian, toda lenda e toda história de assombração partem de uma realidade conhecida e vão agregando a ela elementos sobrenaturais e misteriosos que produzem a mescla de realidade e ficção. “Tais histórias de assombração podem contribuir, por mais estranho que possa parecer, para a consagração dos bens que lhes servem de palco, constituindo-se em fatores de interesse pela sua preservação”, declara.
DESVENDANDO MISTÉRIOS
Casa da Rua Marechal Floriano
Mirian Ritzel conta que teve o privilégio de entrar na casa da Rua Marechal Floriano na década de 1990, quando a filha do então último proprietário, Dr. Orlando da Cunha Carlos, convidou integrantes das equipes do Museu Municipal, onde trabalhava, e do Arquivo Histórico para verificarem a existência de objetos ou documentos que interessassem àquelas instituições, pois a casa havia sido vendida e precisava ser esvaziada.
“Foi uma experiência inesquecível, pois nos deparamos com uma moradia intacta nos mínimos detalhes, ou seja, todos os seus elementos estavam rigorosamente nos lugares, móveis, objetos, cortinas, como se estivesse habitada”, lembra. Segundo Mirian, os banheiros mantinham os frascos de perfumes, aparelhos de barbear e outros itens como se os moradores tivessem feito uso deles há pouco e os quartos com os roupeiros guardando todas as roupas, as camas devidamente compostas. Detalhe: a casa estava fechada há décadas!
Os pavões da casa da Rua Marechal são atração para os transeuntes na calçada
Sobrado da Volta da Charqueada
Neste sobrado há relatos de que às vezes é ouvido o som de um piano tocado por uma jovem que vivera e morrera ali. Mirian afirma que os moradores originais da fazenda integraram uma grande família, a do Coronel David Soares de Barcellos, fazendeiro e político que mais vezes dirigiu Cachoeira (foi intendente três vezes), sua mulher Alzira Águeda e seus 24 filhos. “Dentre os filhos do Dr. David havia vários músicos, inclusive um deles chegou a ser maestro reconhecido (Alcindo), que tocavam diferentes instrumentos, constituindo em seu conjunto quase uma orquestra. Sendo assim, muito provavelmente uma ou mais de suas filhas tocava piano, devendo ser comum ouvir-se muita música no local”, explica.
Conforme Mirian, uma delas, de nome Maria Alzira de Barcellos, faleceu em agosto de 1903 aos 18 anos. “A morte de uma moça tão jovem, filha de uma personalidade importante da cidade na época, deve ter comovido a comunidade cachoeirense e suscitado talvez algumas versões misteriosas do acontecimento”, defende.
“A fama destas duas casas vem do fato de que por anos a fio as mesmas histórias têm sido repetidas por diferentes pessoas, com poucas variantes, reforçando a ideia de que são mesmo palcos de acontecimentos sobrenaturais”. Mirian Ritzel
Mesmo tendo sofrido desgaste ao longo dos anos, o sobrado da Volta da Charqueada continua em pé
Época em que o sobrado pertencia ao Coronel David Soares de Barcellos
CONSELHO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL (COMPAHC)
INCÊNDIOS SINISTROS
Em 2014 foram noticiados pela mídia local os incêndios que vinham ocorrendo em uma residência localizada entre as ruas Andrade Neves e Liberato Salzano. Segundo um padre entrevistado pela Rádio Fandango, que na época preferiu não se identificar, o caso se tratava de um fenômeno paranormal, pois não era normal uma flor de plástico pegar fogo do nada, por exemplo.
CAÇA-FANTASMAS EM CACHOEIRA
A equipe de “Visão Paranormal”, intitulado como o primeiro programa caça-fantasmas do Brasil e o primeiro reality paranormal do mundo, esteve em Cachoeira em dezembro de 2012 investigando o sobrado da Volta da Charqueada e a Casa de Câmara, Júri e Cadeia (prédio do Paço Municipal) em uma série de vídeos publicados em seu canal do YouTube no início de 2013. “Gravamos passos e os medidores do CEM (aparelho detector) acusaram a presença de fantasmas”, diz na descrição do vídeo do sobrado. Nos vídeos do Paço consta na descrição de um deles “Forte presença do sobrenatural” e no título de outro “O fantasma fujão”. O programa é apresentado pela jornalista e paranormal Rosa Maria Jaques, com direção geral do investigador chefe João Tocchetto de Oliveira. Em 2015 a dupla marcou presença no talk show do SBT “The Noite”, comandado por Danilo Gentili.
EDIÇÃO IMPRESSA
BUSCADOR