Um homossexual em minha casa! E agora?
Segundo a psicóloga Lísia Noal Vieira da Cunha, 33 anos de idade e nove de profissão, não existe um manual que diga o que fazer em uma situação dessas. “Isso é muito pessoal de cada família. Não há o que se condenar nem aplaudir. Enquanto uns vão aceitar mais fácil, outros passarão a vida inteira reprovando a atitude do filho”, ressalta. Fingir que não sabe é uma das defesas muito usada, uma espécie de negação do fato, a que recorrem alguns pais. “É claro que esse é um recurso angustiante que não faz bem para ninguém. Depois que ele se assume como homossexual, não há o que fazer para mudá-lo. A questão passa a ser aceitar e tentar entender, já que se ele contou é porque isso foi instaurado há muito tempo e dificilmente mudará”, orienta a psicóloga.
Se para os pais é difícil aceitar, para o adolescente, fase em que geralmente se descobre a homossexualidade, pode ser um verdadeiro terror confessar sua opção sexual à família. De acordo com especialistas nesse assunto, a maior dificuldade que eles enfrentam é a auto-aceitação da sua orientação sexual e até isso acontecer ele percorre um longo caminho. Geralmente a primeira reação é tentar negar a si mesmo. Alguns pensam que estão ficando loucos ou que é só uma fase. Normalmente ele cresce com muito medo de que seu "segredo" seja descoberto, fica angustiado por não saber exatamente o motivo da sua "diferença" e culpado por sentir desejos considerados "não naturais".
Estudos apontam que cerca de 60% dos jovens que saem de casa por causa da questão da homossexualidade já tentaram suicídio. É natural que muitos, com medo da discriminação, da rejeição da família, dos amigos e da sociedade em geral, e por se sentirem culpados pela sua "diferença", queiram disfarçar seus verdadeiros sentimentos e desejos e levar uma rotina quase clandestina por muito tempo e às vezes passar a vida inteira escondendo o que sente. Por esse motivo o apoio dos pais é fundamental para que o adolescente não se sinta abandonado. “É difícil que os pais aceitem num primeiro momento, e, se lembrarmos que o jovem também demorou muito tempo para assumir a própria homossexualidade, imagine como isto é para eles que de uma hora para outra precisam enfrentar essa nova situação”, enfatiza a psicóloga.
Amor incondicional
Descobrir que o filho é homossexual foi um choque para Rosa, mas ela garante que não mudou nada na relação dos dois
O amor de uma mãe pelo filho homossexual tem diferença? "Não!", responde a mãe Rejane Rosa, 45, que declara orgulho e admiração pelo filho Everton Rosa, 21, que assumiu sua opção sexual há sete anos. Mãe de outras quatro meninas e avó de dois meninos, ela revela que descobrir a homossexualidade do filho foi uma grande surpresa. “Quando ele era criança eu percebi algumas vezes sua preferência por brincar de casinha e com bonecas, mas nunca acreditei que pudesse ser um sinal que ele era diferente. Na realidade, acho que eu, como muitas mães que passam por essa situação, não queria enxergar a realidade”, observa.
“Fiquei sabendo da opção do Everton pela minha filha mais velha, a Roberta, de 26 anos. Como sempre foram muito amigos, ele confessou para ela e pediu que ela nos contasse”, completa a mãe. No início, Rejane diz que se sentiu perdida, sem saber o que fazer. Para se orientar e saber como agir, a mãe buscou histórias em livros e também procurou a ajuda de uma psicóloga. “Eu sofri muito, mas aceitei mais fácil, pois para mim o que importa é que ele seja feliz. O meu marido demorou mais a se habituar com a nova situação, mas depois de alguns meses o susto passou e todos já o apoiavam na sua opção”, comenta.
Everton conta que o apoio da família foi fundamental para ele encarar o preconceito da sociedade. “Eles me ajudaram a superar meus medos. No início, como era muito jovem, tinha receio de, por ter assumido publicamente, não conseguir um bom emprego. Mas com a ajuda deles vi que isso era uma bobagem”, relata. Apesar disso, Everton conta que já sofreu muito com o preconceito, principalmente enquanto estudava. Hoje ele está trabalhando no setor de tele-atendimento no Hospital Menino Deus, em Porto Alegre, e semanalmente vem visitar a família na cidade. Muito discreto, o jovem ainda não apresentou nenhum namorado para os pais. “Conheço muitos jovens que foram abandonados pela família quando contaram que são gueis e acabaram caindo na prostituição. Mas com o carinho dos meu pais e irmãs com certeza terei um bom futuro pela frente”, diz o jovem.
Rosa: “No início eu não queria enxergar a realidade, mas depois percebi que era inútil continuar negando”
O medo da discriminação
Apesar do preconceito ainda ser grande, assumir a opção sexual está mais fácil do que era antigamente
Provavelmente alguma vez você se perguntou o que leva uma mulher a gostar de outra mulher. Ou já se surpreendeu ao saber que dois homens estavam namorando. Hoje, apesar da homossexualidade estar presente no cotidiano da maioria, seja pelo convívio com um amigo, vizinho, colega de trabalho ou até mesmo familiar, o assunto ainda é tratado como um tabu. “Isso acontece porque vivemos em uma sociedade ainda muito preconceituosa em relação a qualquer diversidade”, salienta a psicóloga Lísia. Entretanto, a aceitação da homossexualidade vem evoluindo nas últimas décadas, o que encoraja as pessoas a assumir suas identidades e os pais a aceitarem com maior facilidade a opção dos filhos.
Muitos dizem que hoje existem muito mais gueis do que se ouvia falar há 30 anos. Na realidade, o homossexualismo sempre existiu, o que acontece é que antigamente o assunto era tratado com muito mais severidade. A grande maioria que possuía uma orientação sexual diferente escondia de todos. Tanto que até 1991 a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerava a homossexualidade como uma doença. A evolução desse tipo de preconceito já aconteceu, mas ainda está longe do que quem sente na pele a discriminação deseja.
Homossexual assumida, Cátia Regina Carvalho, 42, diz que confessar sua opção sexual nos dias de hoje teria sido bem mais fácil e menos doloroso do que quando fez isso aos 17 anos. “Na época estava noiva e com casamento marcado, mas acabei me envolvendo com a sobrinha do meu futuro marido. Duas semanas antes de casar, contei para a minha família e para ele o que estava acontecendo. O resultado: meu noivo que tinha 28 anos sofreu um infarto e acabou falecendo dias depois e meu pai me expulsou de casa somente com a roupa que eu estava no corpo”, conta. Sem saber o que fazer, Cátia foi para Porto Alegre, onde precisou inclusive se prostituir para poder se sustentar.
De volta a Cachoeira do Sul há mais de 15 anos, ela já se envolveu com outras mulheres e hoje vive um relacionamento com Vera Marin, 34. Vera,0 que foi casada durante cinco anos com um homem, conta que esse é o seu primeiro envolvimento com uma mulher. “Apesar de eu já ser adulta, minha mãe não aceitou no início, achando que eu estava louca, mas agora que já faz um ano e meio que estou namorando com a Cátia ela já está mais conformada”, comenta. Apesar de Cátia e Vera falarem abertamente sobre seu relacionamento, elas nunca saem de mãos dadas ou abraçadas na rua. “O preconceito ainda é muito grande. Às vezes saímos uma ao lado da outra e já começam as piadinhas. Alguns chegam a gritar: olha, lá vão duas sapatonas”, revela. Cátia conta que apesar de notar que a discriminação está diminuindo, ainda há muita coisa para mudar. “Por exemplo, as portas das sociedades e clubes da cidade são fechadas para a maioria dos homossexuais. Há cerca de seis meses, estávamos dançando juntas em uma casa noturna quando veio um segurança e pediu que nos retirássemos da festa”, lamenta. Nenhuma das duas possui filhos.
Cátia e Vera: relacionamento jã dura um ano e seis meses, mas o preconceito ainda é grande
Mídia pode ajudar a diminuir o preconceito
Os relacionamentos gueis e o drama que os filhos sofrem ao revelar para seus pais que são homossexuais há muitos anos vêm sido debatidos pela mídia, principalmente nas novelas do horário nobre das maiores emissoras do país. A novela "Paraíso tropical" é um exemplo. Logo nas primeiras semanas ela mostrou a estória do casal Cleonice (Ângela Vieira) e Lucena (Paulo Betti), que apesar de saberem que o filho Hugo (Marcelo Lahan) era guei nunca aceitaram a sua opção insistindo que ele deveria gostar de mulheres. Para fugir da perseguição dos pais ele forjou um casamento com a gêmea Taís (Alessandra Negrini) que acabou não dando certo.
Recentemente, na novela América, o personagem Júnior, interpretado por Bruno Gagliasso, também havia vivido um drama parecido ao de Hugo ao revelar para sua mãe, a viúva Neuta, vivida pela atriz Eliane Giardini, que sua preferência sexual era por homens. Com o desfecho da estória de Hugo, "Paraíso tropical" segue abordando o tema através do relacionamento de Rodrigo e Tiago, personagens vividos pelos atores Carlos Casagrande e Sérgio Abreu. Mas quem pensa que isso é uma novidade que surgiu somente no final da década de 90, engana-se. Em 1972, a Rede Globo foi a pioneira no Brasil exibindo na novela "O bofe" a estória da velha Stanislava, interpretada pelo ator polonês Ziembinski, um homem que se vestia com roupas femininas e sonhava com um príncipe trapezista.
Desde a década de 70 que vários autores de novelas exploram o homossexualismo, sempre de forma sutil. A primeira vez que o assunto foi mostrado de forma explícita aconteceu em 1995, na novela "A próxima vítima". Na trama, o público pôde acompanhar o romance guei - com direito a final feliz, casamento e festa - do casal Sandrinho (André Gonçalves) e Jefferson (Lui Mendes). Para a psicóloga Lísia Noal Vieira da Cunha, essa preocupação da mídia em mostrar que a homossexualidade pode ser encarada de forma natural só vem a contribuir para que o preconceito que os homossexuais enfrentam diminua. Além disso, é cada vez mais comum famosos assumirem sua opção sexual, como é o caso de Thammy Miranda, filha da dançarina Gretchen, e Lance Bass, ex-integrante do grupo N'Sync.
Casagrande e Abreu: atores interpretando o casal homossexual Rodrigo e Tiago em uma cena da novela "Paraíso Tropical"
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